Em meio a um cenário preocupante de aumento nos afastamentos de trabalhadores por problemas de saúde mental, o governo federal está implementando medidas para reforçar a responsabilidade das empresas na promoção do bem-estar psicológico dos seus colaboradores. A atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) é uma das ações mais significativas neste sentido, ao incluir expressamente a saúde mental como parte integrante da gestão de saúde e segurança do trabalho.
Crescimento alarmante nos afastamentos por saúde mental
Segundo dados recentes do Ministério da Previdência Social, o Brasil registrou mais de 472 mil afastamentos temporários em 2023 devido a transtornos mentais e comportamentais. Esse número representa um salto de 400% em comparação com 2020, quando a pandemia de Covid-19 provocou apenas 91 mil afastamentos desse tipo.
É importante destacar que o levantamento considera número de processos de afastamento, e não o número de pessoas — o que significa que um único trabalhador pode aparecer em mais de uma ocorrência.
Transtornos mais recorrentes e o perfil dos afastados
Nos últimos anos, os transtornos de ansiedade superaram os casos de depressão como principal causa de afastamento. No entanto, ao considerar os registros de “depressão” e “depressão recorrente” em conjunto, o quadro se inverte. Em 2024, por exemplo, somam-se 166.231 casos relacionados à depressão, contra 141.414 associados à ansiedade.
O recorte por gênero mostra uma maior incidência entre mulheres, que foram responsáveis por 64% dos afastamentos registrados em 2024 — 301.348 mulheres contra 170.980 homens. Especialistas apontam que essa diferença pode estar relacionada à maior disposição das mulheres em buscar ajuda psicológica e em reportar situações de sofrimento mental.
Contexto social e ocupacional influencia vulnerabilidades
Aspectos como faixa etária e classe social também influenciam a incidência de transtornos psicológicos. Embora a base de dados governamental não detalhe idade ou nível socioeconômico, médicos e consultores apontam que condições como envelhecimento e acesso limitado à saúde impactam diretamente o bem-estar psicológico dos trabalhadores.
Além disso, a natureza da atividade profissional é um fator relevante. Profissões com alto grau de responsabilidade, baixa previsibilidade ou pouca valorização tendem a gerar estresse acumulado. O exemplo citado por especialistas é a diferença entre os riscos enfrentados por um piloto de avião e por uma costureira — ambos reais, mas com naturezas distintas.
Burnout: o desafio invisível no RH
Apesar de ser um tema muito discutido, o burnout ainda aparece com números discretos nos dados oficiais — cerca de 4 mil afastamentos em 2024. Especialistas explicam que se trata de um quadro de difícil diagnóstico e de desenvolvimento lento, o que pode mascarar sua real incidência. Sinais sutis como doenças recorrentes, dores físicas imprecisas e episódios frequentes de cansaço podem ser precursores ignorados, mas que geram impactos reais nas rotinas de RH e nas finanças das empresas.
Prejuízos globais e a urgência de ação
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os afastamentos relacionados à saúde mental causaram um prejuízo estimado de US$ 1 trilhão no mundo apenas no primeiro semestre de 2024. Isso reforça a urgência de implementar medidas preventivas e estruturadas dentro das organizações.
O que muda com a nova NR-1?
A atualização da NR-1 determina que empresas passem a incluir a avaliação de riscos psicossociais nas suas estratégias de segurança e saúde no trabalho. A norma prevê, inclusive, aplicação de multas para empresas que não se adequarem.
Entre os principais objetivos da nova NR-1 estão:
- Promover equilíbrio entre trabalho e vida pessoal;
- Criar um ambiente corporativo inclusivo e respeitoso;
- Oferecer apoio psicológico acessível e bem divulgado;
- Estimular a comunicação aberta entre gestores e equipes.
A norma também chama atenção para situações organizacionais de risco, como ambientes excessivamente competitivos, jornadas de trabalho desequilibradas e a falta de reconhecimento por parte da liderança.
Nova vigência e resistência empresarial
A entrada em vigor da nova NR-1 estava prevista para maio de 2025, mas a pressão de entidades patronais e empresas — que solicitaram mais tempo para entender e aplicar as mudanças — levou o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) a considerar um adiamento. A expectativa é que um novo prazo oficial seja anunciado em breve.
Apesar disso, especialistas acreditam que a norma tem potencial para estabilizar e, futuramente, reduzir os afastamentos por transtornos psicológicos, desde que seja cumprida com rigor e acompanhada por fiscalização efetiva.
“O fundamental é que essa mudança deixe de ser algo pontual e se torne uma política pública consistente”, reforça Cinthia B. Martins, consultora em saúde corporativa.
Conclusão: saúde mental como prioridade estratégica
A nova NR-1 representa um passo importante para consolidar a saúde mental como um elemento essencial da gestão de pessoas. Mais do que cumprir uma obrigação legal, adequar-se à norma é investir em ambientes corporativos mais saudáveis, produtivos e humanos. A mudança de cultura começa com informação, prevenção e liderança empática — e pode gerar impactos positivos duradouros tanto para empresas quanto para seus colaboradores.