O custo do convênio médico de crianças está superando o do público acima de 59 anos, que, historicamente, tem os maiores gastos médicos. A razão principal é o aumento no volume de atendimentos para tratamento do espectro autista. De um lado, há mais precisão no diagnóstico; de outro, há muita judicialização e a avaliação de que há uma onda de fraudes.
Um levantamento feito pela consultoria Funcional (ex-Prospera) com cerca de 1 milhão de usuários de planos de saúde mostra que o custo do convênio na primeira faixa etária (0 a 18 anos) subiu 43% em 2022 e mais 16% no ano passado. Essa variação chega a ser de três a quatro vezes superior ao verificado entre aqueles com mais de 59 anos, a última segmentação de idade dos planos de saúde.
“Ao colocarmos uma lupa na primeira faixa etária, vemos que os maiores gastos estão concentrados entre pacientes de três a seis anos, que costumam demandar mais terapias”, disse Italoema Sanglard, atuária da Funcional Health Tech. Esse aumento começou em meados 2022, quando as operadoras de planos de saúde passaram a ter de cobrir um número ilimitado de sessões de terapias (como fonoaudiologia, psicologia e terapia ocupacional) a pacientes com transtornos do espectro autista (TEA) e global do desenvolvimento (TGD). Segundo levantamento da Abramge, entidade das operadoras de planos de saúde, realizado em novembro, o tratamento a pacientes autistas já responde por 9,13% do custo médico total das operadoras, superando as terapias oncológicas, que representam 8,7%.
Nos dois últimos anos, a quantidade de sessões para TEA acumula aumento de 74,38%. Para efeitos de comparação, nesse mesmo período, as terapias oncológicas tiveram alta de 37,33%, ainda segundo a Abramge. Na Unimed Nacional, cooperativa médica com cerca de 2 milhões de usuários no país, o volume de atendimentos a pacientes autistas saltou de 394 mil no primeiro semestre de 2022 (quando a legislação ainda não havia mudado) para 1,4 milhão, no segundo semestre de 2023.
Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que consideram todo o setor e não segregam pacientes com TEA, mostram que, entre 2021 e 2022 (dado mais recente disponível), a quantidade de sessões de terapia ocupacional saltou 42,5%, de fonoaudiologia o aumento foi de 26,1% e psicologia, 25%.
A Associação Brasileira do Autismo (Abra) informou que a alta no volume de terapias está relacionada ao avanço do diagnóstico de TEA e que não é incomum sessões de terapia de 40 horas, por semana, tendo em vista a complexidade de casos dos pacientes. A deputada Andréa Werner (PSB-SP), apoiadora da causa, reforça que hoje é mais simples fazer o diagnóstico e reclama que “as operadoras estão descredenciando clínicas médicas para substituir por rede própria de menor qualidade, criando obstáculos para obtenção de reembolso, dificultando atendimentos. Já há inquérito abertos no Ministério Público”.
A variação elevada no custo dos planos de saúde na primeira faixa etária está provocando um desbalanceamento no cálculo atuarial do setor e, consequentemente, o preço do convênio médico dos mais jovens pode superar o da faixa etária seguinte (19 a 23 anos). Porém, as regras da ANS não permitem que um convênio médico voltado ao público de até 18 anos tenha um valor superior àquele destinado à faixa etária seguinte. E, assim, sucessivamente. O preço do plano de saúde da última faixa etária (acima de 59 anos) não pode ser seis vezes maior em relação à primeira faixa etária.Avanço no diagnóstico de TEA contribui para alta de tratamentos” — Andréa Werner
“Com uma variação tão elevada, como de 43% em 2022, realmente há o risco do valor do plano de saúde da primeira faixa etária ultrapassar o da segunda. A operadora pode, no máximo, igualar o preço do plano das duas faixas etárias”, disse Raquel Marimon, presidente do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA).
Segundo Luiz Feitoza, sócio da consultoria Arquitetos da Saúde, as operadoras tendem a fazer ajustes na distância de preço entre as faixas etárias para equilibrar os valores e ficar dentro das regras da ANS. Essas mudanças são válidas para novos contratos. No caso dos planos de saúde já vigentes, o aumento no custo vem na forma de reajuste anual.
Diante desse cenário, as operadoras estão reduzindo a oferta de planos de saúde para a primeira faixa etária – como já acontece para o público mais velho. Os convênios médicos para estudantes sumiram das prateleiras e as comissões para corretores comercializarem esses produtos são baixas – o que desmotiva as vendas. Hoje, a primeira faixa etária abarca quase 12 milhões de pessoas, o equivalente a 23,5% do total de usuários de convênio médico no país.
O crescimento no volume de terapias para tratamentos de pacientes com autismo é reflexo também de um aumento expressivo de fraudes e da judicialização. Segundo um estudo realizado pelo Insper em 2022, quatro em cada 10 ações judiciais eram relacionadas à TEA em São Paulo, e cerca de 75% dos casos são favoráveis ao solicitante. Em muitos casos, esses pedidos na Justiça são para atendimento com um profissional particular ou envolvem reembolso. Muitos terapeutas não estão se credenciando a convênios médicos, cientes da forte demanda, o que tem levado as pessoas judicializarem para obter atendimento particular. Nesse contexto, tem surgido uma onda de fraude com reembolso. Estima-se que, entre 2019 e 2022, as fraudes de reembolso somaram R$ 7,4 bilhões, envolvendo todas as especialidades médicas, não apenas referente à TEA.
“Temos conhecimento de que já há um verdadeiro aparelhamento para a prática de esquemas fraudulentos, como, por exemplo, clínicas que diagnosticam crianças com TEA e na sua própria estrutura, já oferecem a comercialização de planos de saúde, bem como assessoria jurídica para ajuizamento de ações em face da operadora. Clínica, corretores de planos de saúde e escritório de advocacia funcionando no mesmo endereço, disse a advogada Bianca Pires, do escritório Villemor Amaral Advogados.
Título da Matéria: Custo do plano de saúde para crianças é o que mais cresce
Fonte: Valor Econômico
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