Especialistas veem risco de aumento do déficit com descompasso entre valor da contribuição e da aposentadoria
Por Márcia de Chiara – São Paulo – 15/04/2024
O crescimento do empreendedorismo por necessidade resultou em um aumento impressionante de 168% no número de Microempreendedores Individuais (MEIs) nos últimos quatro anos.
Isso intensificou as preocupações sobre o déficit da Previdência Social, especialmente no que diz respeito ao financiamento das aposentadorias a médio prazo. Segundo o economista Hélio Zylberstajn, professor sênior da USP e coordenador do projeto “Salário Mínimo” da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), “estamos criando uma bomba-relógio atômica”.
A figura do MEI foi introduzida em 2009 com o objetivo de formalizar trabalhadores brasileiros que realizam diversas atividades sem respaldo legal ou segurança jurídica. Atualmente, a receita máxima anual para um MEI é de R$ 81 mil, e a contribuição mensal para o sistema previdenciário é de R$ 70,60, que abrange aposentadoria e outras proteções, como seguro de acidentes de trabalho e de vida.
Contudo, Zylberstajn aponta que essa contribuição é insuficiente para cobrir a aposentadoria equivalente a um salário mínimo. “Segundo cálculos atuariais, essa contribuição não se aproxima do necessário para garantir esse benefício”, explica. Com 15 anos de operação, o MEI já conta com um número significativo de contribuintes que, futuramente, buscarão se aposentar recebendo um salário mínimo.
Liberdade no Trabalho
Ronaldo Queiroz da Silva Costa, de 36 anos, é um exemplo do movimento de empreendedorismo por necessidade que tem transformado o mercado de trabalho.
No ano passado, ele decidiu deixar seu emprego como auxiliar de limpeza para se tornar motorista de aplicativo. Após quase um ano trabalhando com carteira assinada em um prédio residencial em São Paulo, onde recebia um salário mínimo, Costa optou pela liberdade e pela possibilidade de ganhar mais.
Como motorista de aplicativo, ele fatura entre R$ 3 mil e R$ 4 mil líquidos por mês e não pretende retornar ao mercado de trabalho formal, a menos que apareça uma oportunidade realmente atraente.
A taxa de desemprego, que representa a relação entre o número de pessoas em busca de trabalho e a população em idade ativa, não está diminuindo devido a um crescimento econômico, mas sim pela redução da procura por emprego, segundo Fábio Bentes, economista sênior da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
Assim, ao se tornarem motoristas de aplicativos e empreendedores, Costa e outros brasileiros contribuem para a diminuição do índice de desocupação.
Desafios para a Previdência
O problema previdenciário se agrava não apenas pelo aumento da informalidade e do número de MEIs, mas também pela diminuição da proporção de jovens no mercado de trabalho e pelo aumento de idosos que se aposentam, complementa Zylberstajn.
“Os dados mostram que a expansão do mercado de trabalho não está mais relacionada a empregos com carteira assinada”, observa. A precarização das relações laborais representa um dos grandes desafios para a Previdência, pois diminui a arrecadação e expõe mais indivíduos aos riscos sociais, segundo Lucas Assis, economista da Tendências Consultoria Integrada.
Outro desafio mencionado por Zylberstajn é a expectativa de vida crescente dos idosos, que, sob a perspectiva atuarial, resultará em aumento das despesas previdenciárias. Os idosos receberão benefícios como aposentadoria e pensões por um período mais longo, prolongando seu vínculo com o sistema previdenciário.
Diante das mudanças no perfil do mercado de trabalho, Zylberstajn enfatiza a necessidade de reformular o sistema previdenciário. “Não adianta repetir as medidas implementadas em 2019, que se restringem a ajustes em métricas da Previdência, como a fixação da idade de aposentadoria e o aumento do tempo de contribuição.”
A Fipe defende há 20 anos uma reforma previdenciária baseada em pilares que incluam o uso do FGTS como um complemento para a aposentadoria, permitindo que o trabalhador decida como utilizar esses recursos em caso de desemprego ou para a aposentadoria.
Valores
Atualmente, a contribuição mensal dos MEIs para o sistema previdenciário é de R$ 70,60.
Título da Matéria: ‘Empreendedorismo por Necessidade’ Pode Afetar Previdência
Fonte: O Estado de São Paulo