Atitudes como pedidos de reembolso de serviços que não foram prestados elevam as despesas das operadoras e geram custos que acabam cobertos pelo conjunto de beneficiários
Por Abramge e Estadão Blue Studio – São Paulo – 16/10/2024 | 00h01
As fraudes no sistema privado de saúde no Brasil geram um custo estimado de cerca de R$ 20 bilhões anuais às operadoras, segundo o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS). Esse número, no entanto, não é exato, uma vez que a linha entre fraudes deliberadas e o mau uso dos recursos do sistema, como a repetição desnecessária de exames, é frequentemente tênue.
De acordo com o IESS, mais de R$ 14 bilhões anualmente são decorrentes de desperdícios que não são necessariamente motivados por má-fé. José Cechin, superintendente executivo do IESS, explica que as fraudes podem ser cometidas tanto por quadrilhas criminosas externas quanto por integrantes do próprio sistema. Ele observa que essas ações fraudulentas podem incluir superfaturamento ou a comunicação de eventos desnecessários.
Os beneficiários do sistema também podem contribuir para o problema ao fornecer suas senhas de acesso a prestadores de serviço que prometem “facilitar” o processo de reembolso. Essa prática resulta na perda de controle sobre os pedidos feitos e abre espaço para ações mal-intencionadas.
Cássio Ide Alves, diretor técnico-médico da Abramge, alerta: “A principal orientação aos beneficiários é jamais passar o login e a senha a quem quer que seja”. Ele questiona: “Se não fazemos isso com a senha do nosso banco ou e-mail, por que faríamos com o plano de saúde?”.
Caso um beneficiário tenha compartilhado esses dados, ele deve mudar a senha imediatamente e verificar se houve pedidos de reembolso por serviços inexistentes ou alterações cadastrais indevidas. Quando a irregularidade é percebida, pode já ter ocorrido um grande estrago.
Alves, com três décadas de experiência em regulação médica, ressalta que as fraudes sempre existiram na saúde suplementar. Elas abrangem todas as etapas do processo — desde a contratação do plano até a cobrança de procedimentos. Um exemplo notório é a “máfia das próteses”, que envolveu superfaturamento de órteses e próteses utilizadas em cirurgias desnecessárias. Assim, os pacientes pagavam por alternativas mais caras.
A principal mudança, segundo Alves, é que as fraudes evoluíram de práticas analógicas para digitais. Isso aumentou a velocidade e o alcance dessas ações fraudulentas. Ele afirma: “Valorizamos as vantagens da digitalização, especialmente a agilidade em processos como pedidos de reembolso, mas essa tecnologia também abriu portas para novos tipos de fraude”.
Para combater as fraudes digitais, as operadoras estão investindo cada vez mais em tecnologia da informação e em recursos de inteligência artificial. No entanto, há fortes indícios de que as fraudes continuam a ocorrer amplamente no processo de pedidos de reembolso.
Em 2022, as despesas com reembolso cresceram 25,3 pontos percentuais em comparação com as despesas assistenciais. O esperado seria uma variação mais equilibrada. Nos últimos cinco anos, entre 2019 e 2023, essa diferença chegou a impressionantes 60 pontos percentuais.
Entre os tipos de fraudes que se tornaram quase “aceitas” pela sociedade, dois exemplos são particularmente comuns. O primeiro são os pedidos de reembolso por serviços que não foram efetivamente prestados e que não têm cobertura do plano. O segundo é a divisão do valor de consultas ou procedimentos em vários recibos, permitindo que o beneficiário faça múltiplos pedidos de reembolso.
Alves explica: “Um dos aspectos que influenciam o cálculo atuarial dos planos de saúde é o número de sinistros. Se um sinistro é transformado em três ou quatro, isso contribui para o aumento dos valores dos planos, onerando todos os beneficiários”.
O diretor técnico-médico da Abramge destaca que muitas fraudes são detectadas por auditorias e outros processos, resultando em ações judiciais contra os responsáveis. “Mesmo no mundo digital, os autores costumam ser identificados. O setor tem investido bastante em tecnologia para essa finalidade”, conclui.
Título da Matéria: Fraude nos planos de saúde: uma conta que todos pagam
Fonte: Estadão