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Nº de mulheres cresce entre clientes de planos de saúde, mas exames preventivos caem; entenda riscos

Embora o número de mulheres entre os clientes de planos de saúde tenha aumentado 5,2% entre 2019 e 2022, o volume de exames preventivos e de consultas com ginecologistas e mastologistas, fundamentais para rastreamento de doenças como o câncer de mama, caiu no período. É o que revela um levantamento inédito feito pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) obtido com exclusividade pelo Estadão.

O cenário preocupa especialistas e operadoras porque pode levar a diagnósticos mais tardios de tumores femininos. De acordo com o estudo do IESS, o número de beneficiárias mulheres passou de 25,1 milhões para 26,4 milhões entre 2019 e 2022, o que representa 1,3 milhão de novas clientes do sexo feminino.

No entanto, no ano passado, período mais recente a ter dados consolidados, houve redução de 7,2% no número de mamografias realizadas nas pacientes da faixa etária prioritária (50 a 69 anos, conforme preconizado pelo Ministério da Saúde) e de 10,8% no total de exames de Papanicolau feitos por mulheres entre 25 e 59 anos. O teste é fundamental para a detecção de lesões no colo uterino que podem tornar-se um tumor maligno.

Ainda de acordo com o estudo do IESS, também houve queda de 10,6% do número de consultas com ginecologistas e obstetras no período analisado. Os atendimentos com mastologistas recuaram 2,8%.

Especialistas apostam que a diminuição desses tipos de atendimento estão relacionados com uma espécie de “ressaca” pós-pandemia nos cuidados rotineiros com a saúde. Enquanto o Sistema Único de Saúde (SUS) ainda tenha demanda represada de alguns procedimentos e filas de espera, na rede privada, acredita-se que o problema não seja a dificuldade de acesso, mas, sim, a falta de informação.

“A pandemia rompeu completamente com a nossa rotina e nossas percepções de risco com a saúde. Acreditamos que algumas pessoas ainda não tenham voltado para o estado de normalidade, desacostumaram a buscar alguns atendimentos”, opina José Cechin, superintendente executivo do IESS.

Para Daniel Buttros, professor doutor do programa de pós-graduação da Unesp de Botucatu e membro titular da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp), a redução na busca por exames sofre impacto da falta de informação e campanhas educativas, que perderam força por causa da pandemia. “Caíram as ações de estímulo à prevenção, as ações de Outubro Rosa. Com a diminuição dessas campanhas, há também uma queda de mulheres que buscam esses exames”, diz o médico.

“Há uma segunda hipótese, que não acho que seja a razão principal, mas que pode ter um impacto, que é a estafa mental das pessoas sobre questões de saúde. Algumas pessoas desenvolveram um grau de ansiedade tão grande na pandemia que agora evitam ir ao médico porque ‘não querem achar doenças’”, diz.

O médico conta que ele e colegas já sentiram o impacto do fenômeno nos diagnósticos. “Começamos a ver na saúde suplementar mais casos de câncer de mama localmente avançados, coisa que não estávamos vendo com tanta frequência antes da pandemia. Isso provavelmente como consequência de diagnósticos que foram atrasados ou tumores que tiveram seu tratamento adiado”, diz.

Queda também no número de internações para tratamento

O estudo do IESS traz um dado que reforça a percepção de Buttros. Embora órgãos de saúde apontem que o câncer de mama é uma doença que vem crescendo e continuará com tendência de alta na incidência por razões como o envelhecimento populacional e estilo de vida que favoreça o aparecimento da doença, os planos de saúde registraram queda de 6,1% no número de internações para tratamento de câncer de mama e de 7,1% de hospitalizações para cirurgias de retirada de tumores no órgão.

“É um dado que parece uma boa notícia, mas não é. A incidência do câncer de mama está aumentando, então essa queda não é porque menos mulheres estão desenvolvendo a doença, mas, sim, porque menos mulheres estão sendo diagnosticadas”, diz Buttros.

Ele afirma que, apesar de o cenário ainda inspirar preocupação, ele vem observando um aumento na busca por atendimentos neste ano em comparação com 2022, último ano analisado no estudo do IESS. “Estamos notando uma retomada gradual, com mais mulheres voltando para os consultórios”, diz. Ele ressalta que, no caso do câncer de mama, o diagnóstico precoce é fundamental para um melhor prognóstico. “Quando encontramos o tumor com menos de 1 centímetro, as chances de cura superam os 95%. Mesmo para casos mais avançados, os tratamentos evoluíram muito”, afirma.

Para Cechin, do IESS, a retomada dos exames preventivos e das ações para detecção precoce são importantes para as pacientes e para a sustentabilidade do sistema de saúde. “Quanto mais cedo o diagnóstico, menor o sofrimento da paciente e menores os gastos com tratamentos”, diz.

Um estudo do Observatório de Oncologia apresentado neste mês no Congresso Brasileiro de Mastologia mostra que o custo do tratamento do câncer de mama com receptores hormonais positivos, o subtipo mais comum, pode ser até cinco vezes maior no estágio mais avançado da doença. Analisando dados de despesas assistenciais no SUS, os pesquisadores verificaram que o tratamento de uma paciente diagnosticada no estágio 1, o mais precoce, custou ao sistema de saúde R$ 68,8 mil enquanto o de uma paciente no estágio 4, o mais avançado, representou um gasto médio de R$ 356,1 mil.

De olho no impacto de diagnósticos tardios, algumas operadoras, diz Cechin, estão promovendo ações para promover a retomada dos exames de rotina. A SulAmérica, por exemplo, fez um levantamento e identificou 2.066 mulheres com 50 anos ou mais que estavam há dois anos sem realizar os exames preventivos, como a mamografia.

A companhia informou que, a partir desse levantamento, criou uma ação no Outubro Rosa que distribuiu “vouchers” de exames para essas pacientes para que elas pudessem agendá-los sem a necessidade de passar por um médico antes. “Mas elas terão o retorno com o especialista para que possam receber o resultado”, ressalta a companhia.

Segundo o Ministério da Saúde, todas as mulheres entre 50 e 69 anos devem fazer mamografia a cada dois anos. A Sociedade Brasileira de Mastologia recomenda que, se possível, as mulheres façam o exame já a partir dos 40 anos, todo ano. O autoexame das mamas não substitui a mamografia já que o rastreamento pode detectar tumores menores e imperceptíveis ao toque.

Já o papanicolau deve ser feito, segundo o Ministério da Saúde, por mulheres de 25 a 64 anos que já iniciaram a atividade sexual. Inicialmente, deve ser realizado uma vez por ano e, após dois exames normais consecutivos, ele passa a ser feito a cada três anos.

Importante lembrar que o câncer de colo de útero pode ser prevenido com a vacina contra o HPV, disponível para meninas e meninos de 9 a 14 anos e adultos com algumas condições específicas, como transplantados, pessoas com HIV/Aids e pacientes oncológicos. O imunizante é disponibilizado para esses públicos do sexo masculino porque o HPV também pode causar outros tipos de tumores, como de pênis, ânus e orofaringe.

Redução de cesáreas e aumento de implantação de DIU

O estudo do IESS trouxe outros dados sobre a assistência a mulheres brasileiras que contam com plano de saúde. De acordo com o levantamento, houve um aumento na proporção de partos normais, de 16,8% para 19,4% entre 2019 e 2022.

O índice de cesarianas, na casa dos 80%, ainda é considerado altíssimo, dado que o índice considerado aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é de 15%. Uma cesárea sem indicação clínica aumenta os riscos de complicações para a gestante e o bebê.

O estudo do IESS mostra ainda um aumento de 48,9% do número de procedimentos para implantação de dispositivos intrauterinos (DIU) e alta de 11,3% dos procedimentos de laqueadura das tubas.

Título da Matéria: Nº de mulheres cresce entre clientes de planos de saúde, mas exames preventivos caem; entenda riscos

Fonte: Estadão

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