A partir de 26 de maio de 2025, entra em vigor a atualização da Norma Regulamentadora 1 (NR-1), que trará mudanças importantes na forma como as empresas devem gerir os riscos ocupacionais. A principal novidade é a inclusão dos chamados “riscos psicossociais” — ou seja, fatores relacionados ao ambiente emocional e social no trabalho que podem afetar diretamente a saúde mental dos colaboradores.
O que muda com a nova NR-1?
Com a nova redação, a NR-1 determina que o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) deve contemplar riscos físicos, químicos, biológicos, ergonômicos, de acidentes e, agora, também os riscos psicossociais.
Apesar da inclusão ser um avanço, 34% dos profissionais de Recursos Humanos ainda não estão totalmente informados sobre essas mudanças, segundo um levantamento feito com mais de 500 RHs pelas consultorias Safe Care Benefícios e HR First Class. Isso acende um alerta para a necessidade de disseminar a informação internamente nas empresas e adaptar processos com urgência.
Conceitos técnicos exigem apoio especializado
Segundo Katia de Boer, CEO da Safe Care Benefícios, a norma é técnica, o que exige leitura atenta e, muitas vezes, suporte de especialistas em saúde e segurança do trabalho. Termos como GRO e PGR (Programa de Gerenciamento de Riscos), por exemplo, não devem ser encarados apenas como obrigações legais, mas como gatilhos para uma mudança cultural nas organizações.
Entendendo os riscos psicossociais
Os riscos psicossociais envolvem fatores subjetivos, como baixa autonomia, excesso de carga de trabalho, isolamento no home office, conflitos interpessoais, entre outros. A falta de clareza sobre quais riscos devem ser mapeados preocupa empresas e especialistas.
Para o médico do trabalho Marcos Mendanha, a ausência de uma definição objetiva gera incertezas. “O que exatamente caracteriza um risco psicossocial? A resposta depende do contexto e da percepção individual”, comenta. A avaliação, segundo ele, pode variar conforme a experiência e o papel de cada trabalhador.
Já o médico Gustavo Locatelli, com formação executiva em saúde mental por Harvard e professor no Hospital Albert Einstein, defende que existem ferramentas eficazes, como questionários validados cientificamente, capazes de identificar esses fatores de risco. No entanto, ele alerta: não existe uma ferramenta única capaz de mapear todos os aspectos — será necessário combinar diferentes metodologias.
O olhar do Ministério Público do Trabalho
Para a procuradora Cirlene Luiza Zimmermann, do Ministério Público do Trabalho (MPT), a norma é clara quanto à necessidade de considerar todos os agentes que possam desencadear doenças relacionadas ao trabalho. Segundo ela, a avaliação dos riscos psicossociais deve considerar documentos normativos já existentes, como:
- Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT), do Ministério da Saúde (atualizada em 2023);
- Diretrizes da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicadas em 2022.
Essas referências citam fatores como estilo de liderança, práticas de contratação (como terceirização e pejotização), comunicação ineficiente e até estratégias de gestão que afetam diretamente os colaboradores.
Como as empresas devem agir?
O primeiro passo é fazer o mapeamento dos fatores de risco psicossocial, identificando o impacto de cada um sobre a saúde mental dos funcionários. A partir disso, a organização deve criar um plano de ação dentro do PGR, com medidas preventivas como:
- Reestruturação da jornada de trabalho (em casos de excesso de horas extras);
- Revisão de processos burocráticos;
- Reforço no time com novas contratações;
- Investimento em sistemas e treinamentos que reduzam sobrecargas.
Zimmermann reforça que, embora as empresas tenham liberdade para escolher como avaliar os riscos, não basta aplicar pesquisas de clima organizacional. “Essas pesquisas fornecem apenas uma fotografia do momento, sem avaliar o contexto”, destaca. Além disso, podem falhar em obter respostas sinceras se não forem sigilosas ou bem conduzidas.
Fiscalizações e penalidades
O MPT manterá o mesmo processo de fiscalização usado para outros riscos ocupacionais. Após a inspeção, se for identificado descumprimento da norma, a empresa terá um prazo para se adequar, sob pena de multa.
Contexto global e números preocupantes no Brasil
A preocupação com saúde mental no trabalho é uma realidade mundial. Países da União Europeia, por exemplo, já avaliam riscos psicossociais desde 2010, com programas robustos e consolidados.
No Brasil, o número de afastamentos por transtornos mentais chegou a 472 mil em 2024, um crescimento de 67% em relação a 2023, segundo o Ministério da Previdência Social. Embora nem todos os casos tenham origem no ambiente corporativo, os números refletem uma tendência alarmante.
A OMS estima que a depressão e a ansiedade custam à economia global cerca de US$ 1 trilhão por ano, devido à perda de produtividade — o equivalente a 12 bilhões de dias de trabalho perdidos anualmente.
Conclusão
Com a atualização da NR-1, a saúde mental dos trabalhadores passa a ter um papel central na gestão de riscos ocupacionais. Cabe às empresas se adaptarem rapidamente, promovendo ambientes mais seguros, saudáveis e sustentáveis. A atuação preventiva e estratégica pode evitar não só passivos trabalhistas, mas também o adoecimento coletivo da força de trabalho.