Um incêndio não é apenas um evento operacional — ele perfura o orçamento em múltiplas frentes ao mesmo tempo. Há perdas diretas (edificação, máquinas/equipamentos, mobiliário e estoque), indiretas (paralisação, lucros cessantes, despesas adicionais para operar provisoriamente), efeitos financeiros (estouro de capital de giro, alongamento de prazos com fornecedores, piora de rating e prêmio de seguro), além de custos regulatórios e reputacionais.
Em 10 de agosto de 2025, por exemplo, um atacadista de calçados em Campo Grande (MS) teve colapso parcial do telhado e perda total do depósito, com todo o estoque consumido — um retrato clássico de impacto imediato em capital de giro e margens futuras.
Segundo a gerente, a loja não teria seguro.
Em 21 de julho de 2025, um galpão logístico de pós-venda da Positivo em Barueri (SP) foi integralmente afetado. Diferentemente de um varejista, ali havia estoques de peças e componentes (notebooks, tablets, máquinas de pagamento) para manutenção — não produtos para venda. O rombo típico desse cenário não é só o valor das peças: é a interrupção do SLA de assistência técnica, a necessidade de recomprar componentes em regime de urgência (pagando mais) e o efeito dominó sobre satisfação de clientes e receita de serviços.
Nesse outro caso da Positivo, a companhia ressaltou, ainda, que possui cobertura de seguro para este tipo de sinistro
Outra ilustração está no incêndio do Shopping 25, no Brás (SP), em 30 de outubro de 2024: centenas de lojas impactadas, com estimativas de perdas totais de estoque para muitos lojistas e paralisação em período crítico de vendas. O complexo tem mais de mil lojas e recebe cerca de 30 mil pessoas por dia.
O rombo orçamentário combina perda de mercadorias, perda de receita de curto prazo, aluguel e condomínio que continuam correndo, além de custos para restabelecer operações (novos pontos provisórios, comunicação, logística emergencial).
Há também eventos “menores” em escala, mas devastadores para PMEs, como a loja de máquinas de costura em Franca (SP) destruída após fogo ateado no lixo em 8 de julho de 2025 — R$ 200 mil em prejuízos entre máquinas novas e equipamentos de clientes. Para empresas desse porte, a perda de equipamentos-chave e estoque de alta rotatividade pode comprometer meses de caixa, levando a endividamento emergencial e adiamento de investimentos.
Equipamentos x Estoque: como cada um sangra o orçamento
- Equipamentos e máquinas (CAPEX):
Perdas aqui geram picos de investimento para reposição e paralisação longa até reinstalação, calibração e comissionamento. O impacto orçamentário aparece como CAPEX não planejado, queda de produtividade, terceirização cara temporária e, às vezes, obsolescência forçada (é preciso comprar modelos novos, mais caros). - No caso Positivo, mesmo sem linha de produção no site atingido, a infraestrutura técnica e o acervo de peças eram críticos para cumprir prazos de reparo; quando somem, o custo explode em recompras urgentes e multas contratuais.
- Estoque (OPEX/Capital de giro):
Quando o fogo consome mercadorias prontas (como no atacadista de calçados e nas lojas do Brás), o buraco é imediato no capital de giro: some o ativo que seria convertido em caixa. A empresa precisa repor mercadorias à vista (com fornecedores menos flexíveis após o sinistro), enfrenta perda de margem (recompra mais caro), ruptura de vendas e custo extra de fretes expressos. Midiamax+1CNN Brasil
Em termos de tempo de recuperação, estoque costuma ser mais rápido de recompor (se houver fornecedor e crédito), mas drena caixa; equipamento demora mais, estendendo a parada e ampliando lucros cessantes. Em empresas intensivas em ativos (fábricas, gráficos, metalúrgicas), máquinas são o calcanhar de Aquiles; em varejo e atacado, o estoque é o coração financeiro.
As linhas de custo que mais “doem” após um incêndio
- Perdas materiais: prédio, instalações, máquinas, TI, móveis e estoque.
- Lucros cessantes: receita perdida pela interrupção; normalmente coberta por seguro com período de carência e limite temporal, o que pode deixar “descobertos” os meses finais de retomada.
- Despesas adicionais: aluguel de ponto temporário, terceirização, horas extras, transporte extra, comunicação com clientes, compra emergencial de insumos.
- Financeiro: maior custo de capital (linhas caras de giro), atrasos e multas com fornecedores, piora de prêmio de seguro na renovação.
- Tributário e contábil: baixa de ativos, reconhecimento de perdas, eventual recuperação de créditos (ex.: ICMS de mercadorias destruídas, sujeito a regras estaduais), e diferença entre indenização e valor contábil.
- Regulatório/contratual: notificações de órgãos locais, shopping/condomínio, multas por não cumprimento de SLA (serviços e pós-venda), e exigências de upgrades de segurança para reabrir.
O que os casos recentes ensinam para o orçamento e o seguro
- Mapeie o “perfil de perda provável” por canal: varejo (estoque alto, margem comprimida) x serviços (peças críticas + SLA) x indústria (máquinas e moldes). Os incêndios do Brás e de Campo Grande mostram a vulnerabilidade do estoque; o caso Positivo evidencia o risco de paralisar serviços mesmo sem fábrica no local.
- Defina limites de seguro pelo “Valor Total Segurável” e lucros cessantes compatíveis com o tempo real de recomprar/reinstalar (lead time + obras + licenças).
- Cheque cláusulas críticas: franquias/dedutíveis, carências, período indenitário (12/18/24 meses), despesas adicionais, valoração a novo x valor depreciado, cobertura para terceiros/condomínios e bens de terceiros (ex.: equipamentos de clientes em assistência).
- Plano de continuidade: alternativas de ponto de venda, backups de dados, fornecedores “B”, estoque de segurança, inventário digital com fotos/serials (acelera regulação e comprovação).
- Prevenção que reduz prêmio e perda: detecção precoce, sprinklers, compartimentação, manutenção elétrica, controle de fumos/solda, housekeeping de materiais combustíveis (o caso de Franca começou em lixo na calçada). Record
Em síntese: quando equipamentos queimam, o orçamento sofre por CAPEX inesperado e paralisação longa; quando estoques queimam, o rombo vem do capital de giro, da ruptura de vendas e da recompra mais cara. A estratégia financeira é dimensionar as reservas olhando para ambos os vetores — e não apenas para “quanto vale o prédio”.
Referências (casos recentes)
- Campo Grande (MS), 10/08/2025: atacadista de calçados com estoque destruído e teto colapsado. Midiamax+1
- Barueri (SP), 21/07/2025: galpão logístico de pós-venda da Positivo com instalações integralmente afetadas; peças para reparo e máquinas de pagamento no local. UOL EconomiaMercado&ConsumoCorreio
- São Paulo (SP), 30/10/2024: Shopping 25 (Brás) com perdas estimadas como totais para muitos lojistas; dezenas/centenas de lojas afetadas. CNN BrasilAgência Brasil
- Franca (SP), 08/07/2025: loja de máquinas de costura destruída; prejuízo superior a R$ 200 mil. Record