De olho na alta de custos dos últimos anos em suas operações e no impacto do aumento de clientes idosos em suas carteiras, algumas operadoras de planos de saúde contrataram uma empresa especializada em cuidado domiciliar e personalizado a idosos com o objetivo de reduzir o risco de surgimento ou agravamento de doenças e, consequentemente, as despesas assistenciais.
Inspirado no modelo holandês Buurtzorg, que significa “cuidados de vizinhança”, o serviço da Laços Saúde é focado em visitas periódicas de enfermeiras, que levantam as necessidades e problemas de saúde do paciente nos primeiros atendimentos e, junto a uma equipe multidisciplinar, montam um plano de cuidado que pode incluir visitas mensais, semanais ou até diárias, dependendo da necessidade.
As demandas e intervenções são variadas: há aqueles idosos que ainda preservam a autonomia, mas precisam de acompanhamento para aderir ao tratamento de doenças crônicas ou adotar um estilo de vida mais saudável, por exemplo. Há outros que recebem orientações para fazer mudanças em casa e na rotina para reduzir o risco de quedas.
Há casos de pacientes mais debilitados em que a enfermeira fará visitas mais frequentes para oferecer auxílio em tarefas como higiene, alimentação, medicação, troca de sonda. Problemas de saúde mental, dor crônica e demência são outras questões comuns que a equipe acompanha.
As profissionais também trabalham com os idosos a criação e fortalecimento de vínculos sociais e familiares e a inclusão tecnológica, até porque algumas consultas de acompanhamento podem ser online. A empresa também oferece uma central telefônica para acionamento 24 horas em caso de urgência e emergência e ferramenta de inteligência artificial para avaliar indícios de depressão, por exemplo, um problema comum entre idosos.
“Na primeira visita, a gente mede muitos scores, como os de funcionalidade, cognição, ambiente, gestão de medicamentos, para traçarmos o perfil de risco e, a partir dele, um plano para diminuir esses riscos, com metas, prazos e monitoramento para verificar se a pessoa está estabilizada ou melhorando ao longo do tempo”, explica Martha Oliveira, CEO da Laços Saúde.
Outro aspecto trabalhado pela empresa é a chamada polifarmácia, nome dado ao uso rotineiro de quatro ou mais medicamentos por um paciente, cenário comum entre idosos. A equipe da Laços, que conta também com médicos, analisa o uso de todos os remédios pelo paciente, reavaliando a necessidade do consumo e possíveis efeitos colaterais ou interações medicamentosas.
“O idoso que chega até nós toma, em média, 16 remédios. Isso porque ele vai em diferentes profissionais que prescrevem um medicamento focado em alguma queixa às vezes sem olhá-lo de forma mais integral. Somado a isso, tem a questão da automedicação e isso vira um problema gigante para o idoso porque pode dar tontura, levar a quedas, ter interação entre diferentes medicamentos. Focamos muito nessa questão e, depois de intervenções, o paciente acompanhado passa para uma média de 6 remédios por dia”, conta Martha.
Para ela, manter o idoso com o máximo de autonomia e funcionalidade e levar o cuidado de saúde para a casa do paciente, com um profissional que crie um vínculo, são fundamentais para reduzir riscos e episódios de internação.
A Laços Saúde começou a operar em 2021, com planos de saúde de autogestão, e hoje já atende 11 operadoras e 5 mil idosos, entre elas a Seguros Unimed, Notredame Intermédica, Omint, Capesesp e Petrobrás Saúde. Estudo feito pela Laços Saúde com beneficiários das duas primeiras operadoras atendidas mostrou redução de 30% na sinistralidade e economia média de R$ 2,3 mil por mês por cliente.
Em uma das operadoras, houve redução de 38% de idas ao pronto socorro no grupo acompanhado e 17% de internações. Na outra empresa monitorada, o grupo de idosos acompanhados teve redução de despesas de 16,6% em um ano. No grupo que não passou por essa intervenção, por outro lado, houve aumento de 18,5% nesses gastos.
“A gente fala de alta de custos dos planos de saúde, mas olha o tanto de dinheiro que é desperdiçado porque não tem essa gestão do cuidado. Então o mais bacana é a gente conseguir mostrar que isso compensa tanto por questões assistenciais, com melhora da saúde e qualidade de vida do idoso, quanto por questões financeiras para a empresa”, diz Martha.
A Seguros Unimed, uma das operadoras que utiliza o serviço, diz que teve 6% de redução do custo assistencial no grupo de idosos acompanhados em um ano. Após um projeto piloto com 120 idosos, a companhia agora está expandindo para 450 o número de pacientes que contarão com o benefício. A operadora estima ter economizado R$ 700 mil em gastos assistenciais somente com o acompanhamento dos primeiros 120 idosos.
“Uma internação é um evento de muito risco para o idoso e de muito custo para a operadora. Levar o cuidado ao domicílio, avaliando os riscos, observando o entorno do paciente e estimulando a funcionalidade têm um efeito muito positivo”, diz Renata Rodrigues Gonçalves, gerente de atenção à saúde da Seguros Unimed.
Para o aposentado Akio Watanabe, de 83 anos, o acompanhamento domiciliar foi fundamental para a retomada das atividades físicas por parte dele e da esposa, a dona de casa Laura Watanabe, de 79 anos. “Morávamos em Jundiaí e fazíamos muita caminhada lá, mas, desde que voltamos para São Paulo, há cinco anos, para ficar mais perto dos filhos e netos, a gente tinha parado”, conta.
Como Akio tem hipertensão e Laura sofre com as dores de uma artrose, a equipe da Laços Saúde montou um plano para retomada gradual de exercícios aeróbicos e de força em uma academia, ambiente que os idosos se sentiriam mais seguros. “Melhorou um pouco as dores e acho que, com o tempo, vai melhorar ainda mais. Antes eu via a musculação como um hobby, mas agora eu vi que é uma necessidade para fortalecer e preservar a saúde da gente”, diz ele, que faz o exercício três vezes por semana.
Ele valoriza também a possibilidade de poder tirar dúvidas com a equipe da Laços Saúde sobre diferentes questões de saúde. “Antes, qualquer probleminha, a gente ficava com medo e corria para o hospital. Agora a gente tem uma confiança de poder entrar em contato com a enfermeira”, diz.
Planos de saúde registram aumento de idosos
Como mostrou o Estadão em junho, o número de beneficiários idosos nos planos de saúde, em especial os mais velhos, aumentou de forma expressiva nos últimos anos no País. Segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o número de beneficiários maiores de 60 anos saltou 32,6% entre 2013 e 2023, índice muito superior à alta de 5,3% no total de clientes de convênios médicos.
A maior alta ocorreu na faixa etária dos 70 a 74 anos, que aumentou 41,9%. A segunda com maior aumento foi a de clientes com 80 anos ou mais – 39,5%. Com isso, a proporção de idosos entre o total de clientes de convênios passou de 11,4% para 14,4% na última década.
O fenômeno, dizem especialistas, amplia o desafio de equilibrar as contas do setor para operadoras de saúde e usuários, e escancara a urgência de alterações no modelo de prestação de serviço, que deve ter foco maior no acompanhamento de doenças crônicas e prevenção de complicações.
Título da Matéria: Planos de saúde: clientes reclamam de uso abusivo de juntas médicas e ações judiciais crescem
Fonte: Estadão
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