Fraudes, judicialização, inflação médica e mudanças na regulamentação contribuíram para que as despesas superassem as receitas nos últimos balanços
Por Abramge e Estadão Blue Studio – São Paulo – 16/10/2024 | 00h01
Após três anos consecutivos de prejuízos operacionais, totalizando R$ 17,5 bilhões negativos, o setor de planos de saúde começa a apresentar resultados positivos em 2024. A expectativa é de uma recuperação moderada e gradual. No entanto, dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostram que 277 operadoras ainda estão operando no vermelho.
O último balanço positivo ocorreu em 2020, quando as receitas superaram as despesas em 8,2%. Esse resultado foi influenciado pela pandemia e pelo distanciamento social. Nos anos seguintes, o setor enfrentou um déficit de 0,4% em 2021, seguido por perdas de 4,1% em 2022 e 2% em 2023. Gustavo Ribeiro, presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), afirma que “os resultados ainda estão difíceis para grande parte do setor, com perspectiva de melhora a partir de 2025”.
Ribeiro, que representa 138 operadoras de saúde suplementar que atendem 34,7% dos beneficiários de planos médicos no Brasil, aponta que o setor está em um ponto crítico. Além dos desafios impostos pela pandemia, outros fatores têm impactado os resultados. Um deles é o aumento significativo das fraudes contra planos de saúde.
Em 2023, o setor viu suas despesas médicas com reembolsos para beneficiários atingirem R$ 11,9 bilhões, quase o dobro do valor registrado em 2019, que foi de R$ 6 bilhões. A Abramge constatou que esse crescimento está fortemente ligado a fraudes. Além disso, a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que as operadoras devem cobrir tratamentos não previstos no rol da ANS também contribuiu para o aumento dos custos.
Outro fator que eleva as despesas é a ausência de protocolos claros e o crescimento acelerado das terapias para Transtornos Globais de Desenvolvimento (TGD), como o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Ribeiro destaca um dado alarmante: o custo para a faixa etária de 0 a 18 anos subiu 43% em 2022 e mais 16% em 2023, uma variação de três a quatro vezes maior do que a observada na faixa etária acima de 59 anos.
Os custos do setor também são agravados por problemas estruturais, como fraudes e desperdícios devido ao uso abusivo dos recursos. Um levantamento do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) estima que esses fatores representam 13% das despesas totais dos planos, equivalente a R$ 34 bilhões anuais.
Além disso, a judicialização dos contratos, especialmente em casos que envolvem medicamentos de alto custo, é outra fonte de aumento das despesas. Em 2023, esses gastos chegaram a R$ 5,5 bilhões, mais do que o dobro de dois anos antes. Arnaldo Hossepian Jr., procurador de Justiça aposentado, menciona que “nem toda judicialização é inadequada, mas deve ser qualificada”.
Para lidar com a judicialização excessiva, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou os Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NatJus). Outro fator que pressiona continuamente os custos dos planos de saúde é a inflação médica, que cresce a um ritmo superior à inflação geral, devido ao aumento do uso de recursos médicos e investimentos em novas tecnologias.
Gustavo Ribeiro observa que “o sistema é baseado em mutualismo, onde as pessoas pagam quando não precisam, para ter acesso quando necessário”. Como os custos impactam diretamente os contratos, problemas como fraudes e judicialização acabam sendo repassados a todos os beneficiários.
Título da Matéria: Saúde suplementar busca recuperação após três anos de prejuízo
Fonte: Estadão