Esse texto é parte de um trabalho acadêmico produzido por mim há mais de cinco anos, e a realidade atual ratifica muito do que já retratava naquela época. Possivelmente, em um futuro breve, outras das propostas abordadas neste trabalho vão nos surpreender, e antes do que esperamos.
Por Jorge Eduardo de Souza – São Paulo – 25/10/2024
A solução para a saúde suplementar não está apenas na mudança da Lei, como preconizam muitos; ela depende, de fato, do aporte das competências que essa cadeia exige e que ainda muitos se negam a enxergar.
Não dá para negar o sucesso da Lei 9.656/98, que instituiu o modelo brasileiro vigente. Afirmo isso com a segurança de quem trabalhou com o sistema antes e depois dessa Lei.
Ela praticamente dobrou o número de segurados, quando, em duas décadas, atingimos uma carteira que alcançou 1/4 da população brasileira. E, nesse contexto, vamos criticar o quê? É certo que hoje cabem ajustes, mas é fundamental que esses ajustes não nos levem ao retrocesso.
Um erro evidente dessa lei está no controle de preços dos planos individuais. Ao limitar os reajustes desses planos, tal controle praticamente extinguiu o produto. A Lei também falha ao permitir a possibilidade de recuperar o equilíbrio financeiro nos planos corporativos (70% em geral). Com isso, a Lei fomentou a incompetência. Por que gastar com administração se eu posso repassar? Esse é o pensamento predominante das operadoras e que hoje explica, com clareza, a maior parcela de culpa na explosão dos preços, hoje no limite da tolerância.
Quando o uso inadequado do plano, as fraudes e a judicialização explicam e consomem mais de 30% das receitas, fica evidente que o problema não é de lei, mas de gestão. Mudar a lei não vai corrigir isso, mas, sim, aumentar os efeitos nocivos dessa notória incapacidade gerencial instalada nas operadoras e nos demais elos dessa cadeia.
Há também muita irresponsabilidade comercial. Não foi incomum, nesse histórico, e ainda está presente em práticas recentes, contratações muito abaixo da precificação técnica. Essa busca de clientes a qualquer custo trouxe essa “febre” que hoje dificulta o equilíbrio dessa carteira.
No mundo moderno, do livre mercado, não cabe controle de preços, e acredito que preços baixos podem, sim, ser resultado de alta eficiência. Está na hora de aprender isso com os cearenses da Hapvida. Assim como acredito que a idade elevada não é necessariamente sinônimo de preços altos – e isso vamos aprender com os paulistas da Prevent Senior.
Resultados de atividades econômicas não dependem exclusivamente de leis, mas essencialmente de competência. E o consumidor não precisa de tutela; ele sabe muito bem eleger quem lhe oferece mais por menos.
Acho que excluir coberturas não é o melhor caminho. Isso não funcionou no passado, quando convivíamos com planos com limites absurdos, como um ou dois dias de internação ou UTI. A partir daí, os custos eram repassados para o “segurado”, sim, entre aspas.
Acredito que cabe, sim, um plano mais simples, mas que cubra apenas, e plenamente, o diagnóstico e a urgência, repassando automaticamente e rapidamente o paciente diagnosticado, precoce e eficazmente, para a resolução competente do sistema público. Alguém pode dizer: “Então, os planos vão usar o governo?” Eu respondo: não, o governo é quem vai usar os planos.
Entendam que a crise da saúde pública, explorada sem clemência pela mídia, quando mostra pacientes em macas nos corredores dos hospitais, evidencia que isso ocorre na busca por diagnóstico e urgência. Aqui, o governo sempre foi e sempre será um desastre.
Enquanto a Lei limita os planos a diagnosticar em, no máximo, trinta dias, uma simples mamografia pública pode demorar até dez vezes mais – e isso em SP, uma referência nacional em estrutura pública para esse fim. Imagine como deve estar em Quixeramobim?
Diagnósticos tardios ampliam sobremaneira os riscos e os custos da resolução pública. Com diagnóstico precoce, possível no plano que proponho, o governo gastaria muito menos na resolução, além de elevar consideravelmente a confiança, a autoestima e a dignidade do cidadão. Quem sabe, assim, a mídia poderia inverter suas abordagens críticas de hoje para elogiosas de amanhã.
Não podemos proteger e mimar o filho errante; devemos ajudá-lo a perceber suas fraquezas e a encontrar e potencializar suas virtudes, convertendo-as em competências.
Nem podemos subestimar a inteligência do pagador dessa conta, especialmente as empresas, que respondem pela maior fração dela. Empresas que patrocinam planos de benefícios qualificados para grandes efetivos são presumivelmente lucrativas e, logo, competentes. Quando atingirem os limites de custo, é certo que encontrarão modelos mais eficazes, possivelmente sem as operadoras. Isso já está acontecendo em outros países. Afinal, o conceito da “mão invisível” da economia (laissez-faire) é antigo e sábio.
Fiquem atentos, pois, com a recente reformulação das leis trabalhistas, os acordos individuais vão prevalecer sobre os coletivos. Assim, impor a contratação de planos nos acordos coletivos já é coisa do passado. Dessa forma, os planos agora perdem um de seus maiores vendedores: os sindicatos que costuravam esses acordos.
O acesso limitado pelo custo é o que encarece o diagnóstico por imagem. O obsoletismo acelerado, em conjunto com os altos custos dessas inovações, torna o rateio da depreciação em função da baixa frequência de uso o maior agravante desse preço.
Não há dúvidas de que o aumento de usuários desses diagnósticos por imagem, que o plano proposto traria, os tornaria mais baratos com o aumento da facilidade de acesso e maior penetração desse produto. Imagino que chegará o momento em que o preço baixo do plano e a crescente desoneração que ele trará para o Estado inspirarão um político inteligente a propor o “bolsa saúde” – e olhem que essa é a primeira vez que esse termo é empregado. Quando essa bolsa vier, e estou certo de que virá, o universo será um alvo muito próximo do nosso mercado.
A cadeia da saúde suplementar precisa mais de inteligência do que de recursos. Mais de transpiração do que de lobby e corporativismo. Ela precisa se aliar ao pagador dessa conta, em vez de continuar conspirando contra ele a cada piora de performance decorrente de suas incompetências. Os “morcegos” que se nutrem do “sangue” desse sistema ainda não perceberam que são elos dessa cadeia e não entenderam que, quando o “sangue” acaba, toda a cadeia fica anêmica.
Esse é parte de um trabalho acadêmico apresentado por mim para os debates da ANSP, Academia Nacional de Seguros e Previdência, onde me orgulho de estar como um dos seus catedráticos.