A depressão passou a ser oficialmente reconhecida como doença ocupacional pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), gerando impactos significativos nas relações trabalhistas. Esse entendimento ganha ainda mais força com a atualização da Norma Regulamentadora NR-1, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que inclui os riscos psicossociais entre os fatores passíveis de causar doenças no ambiente de trabalho.
Depressão no trabalho: estabilidade garantida
Um caso emblemático julgando em 2023 pela 2ª Turma do TST reconheceu que um trabalhador de uma empresa de telefonia, diagnosticado com depressão relacionada às condições laborais, tinha direito à estabilidade provisória por acidente de trabalho. Com isso, o trabalhador passou a ter direito à permanência no emprego por 12 meses, ou à indenização substitutiva equivalente aos salários do período, conforme o processo nº 1952-50.2017.5.09.0872.
Segundo o voto da ministra Maria Helena Mallmann, havendo comprovação de nexo causal entre o transtorno mental e a atividade profissional, é legítima a aplicação das garantias previstas para casos de doenças ocupacionais.
Nova NR-1 pode mudar a dinâmica de ações na Justiça do Trabalho
Especialistas do setor jurídico apontam que a nova NR-1 tende a facilitar a produção de provas nos processos envolvendo saúde mental no ambiente corporativo. Como explica o advogado Thiago Cremasco, responsável por diversas ações de indenização ligadas a transtornos mentais relacionados ao trabalho, a existência da norma em vigor cria um novo parâmetro legal: caso a empresa não esteja em conformidade com as exigências da NR-1, já pode haver presunção de responsabilidade.
Atualmente, esse tipo de ação depende da análise de um perito médico do trabalho. No entanto, com a NR-1 sendo obrigatória, o descumprimento por parte da empresa pode ser interpretado como um fator que contribui diretamente para a responsabilização judicial.
Empresas ainda confundem doença mental com falha de conduta
De acordo com Cremasco, muitas organizações ainda não reconhecem doenças mentais como acidentes de trabalho. Em alguns casos, colaboradores com quadros depressivos ou alterações comportamentais são demitidos por supostas faltas funcionais, quando, na verdade, esses sintomas podem estar relacionados a um ambiente laboral inadequado.
Mesmo que o transtorno não tenha sido exclusivamente causado pelo trabalho, seu agravamento dentro da empresa pode configurar vínculo direto com as condições laborais, ampliando a responsabilidade jurídica do empregador.
Cumprimento da NR-1 pode ser estratégico para defesa das empresas
Na visão da advogada Líbia Alvarenga de Oliveira, do Innocenti Advogados, o cumprimento rigoroso das normas da NR-1 pode servir como estratégia de defesa. Empresas que comprovarem adoção de medidas preventivas, como treinamentos, acompanhamento psicológico e consultorias especializadas, estarão mais protegidas em processos judiciais.
“As organizações mais preparadas terão documentação para demonstrar que tomaram as providências necessárias e que não houve relação direta entre suas práticas e a doença do trabalhador”, afirma a especialista. Nesse cenário, contratar profissionais qualificados e empresas certificadas em saúde ocupacional torna-se um investimento essencial.
Indenizações podem alcançar valores elevados
Os processos judiciais envolvendo doenças ocupacionais com origem psicossocial, como depressão ou burnout, podem gerar indenizações significativas. Em casos de estabilidade provisória não respeitada, os valores podem dobrar: o empregado pode receber 24 meses de salário retroativo, caso opte pela rescisão indireta.
Um exemplo citado por Cremasco envolveu um caso de assédio sexual que culminou em transtorno mental. O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas) entendeu que houve dispensa discriminatória, o que elevou a indenização total a quase R$ 1 milhão, considerando salários acumulados e danos morais.
O que as empresas precisam fazer agora?
A partir da atualização da NR-1, todas as empresas, independentemente do porte, devem revisar suas políticas de gestão de riscos psicossociais. Isso inclui:
- Avaliações periódicas dos fatores de risco;
- Acompanhamento médico e psicológico dos colaboradores;
- Treinamentos para líderes e gestores sobre saúde mental;
- Registros e documentação de todas as ações preventivas;
- Consultorias especializadas para alinhamento com as exigências legais.
O reconhecimento da depressão como doença ocupacional reforça a importância de uma cultura organizacional saudável, que preze pela prevenção, pelo bem-estar dos trabalhadores e pela segurança jurídica das empresas.